terça-feira, 30 de abril de 2013

"Gembakusha"

No Japão evita-se o uso do termo sobreviventes para as pessoas que sofreram os ataques em Hiroshima e Nagasaki, uma vez que enfatizar que elas ainda estão vivas poderia ser um desrespeito aos mortos. Utiliza-se o termo "gembakusha", que significa "pessoas afetadas pela radiação".

Provérbios Japoneses

  • Saru mo ki kara ochiru
    • Literalmente: O Macaco também cai da árvore
    • Sentido: Mesmo um especialista pode vir a errar.

  • Sumeba miyako
    • Literalmente: Onde se mora, capital.
    • Sentido: Independente do lugar em que se mora, você pode vir a amá-lo.

  • Toranu tanuki no kawa zan'you
    • Literalmente: Não conte com a pele antes de apanhar o animal.
    • Sentido: Não conte com os ovos antes da galinha os por.

  • Tonari no shibafu wa aoi
    • Literalmente: O relvado do vizinho é verde.
    • Sentido: A galinha do vizinho é mais gorda do que a minha.

  • Gou ni itte wa, gou ni shitagae
    • Literalmente: Ao entrar na vila, obedeça aos que nela moram.
    • Sentido: Em Roma, seja romano.
    • Sentido: Dance conforme a música.

  • Atama kakushite, shiri kakusazu
    • Literalmente: Esconde a cabeça mas não cobre o rabo.
    • Sentido: Resolver os problemas parcialmente.

  • Nakitsura ni hachi
    • Literalmente: Uma abelha para um rosto que chora.
    • Sentido: Desgraça pouca é bobagem.

  • Onna sannin yoreba kashimashii
    • Literalmente: Juntando três mulheres, barulho.
    • Sentido: O ideograma barulhento é formado por três ideogramas mulher.

  • Nou aru taka wa tsume o kakusu.
    • Literalmente: A águia inteligente esconde as garras.
    • Sentido: Se você é bom, não precisa sair contando para todo mundo.
    • Sentido: Mineirinho come quieto.

  • Chiri mo tsumoreba yama to naru
    • Literalmente: O lixo, quando acumulado, também vira montanha.
    • Sentido: De grão em grão a galinha enche o papo.
    • Sentido: Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

  • Hana yori dango
    • Literalmente: Antes de flores, comida.
    • Sentido: Praticidade.

  • Iwanu ga hana
    • Literalmente: O não falar é uma flor.
    • Sentido: O silêncio vale ouro.

  • Yabu wo tsutsuite hebi wo dasu
    • Literalmente: Mecherique no arbusto e uma cobra dele sairá.
    • Sentido: Quem procura acha.

  • Baka wa shinanakya naoranai
    • Literalmente: A idiotice só é curada pela morte.
    • Sentido: Só morrendo mesmo...

  • Jishin, Kaminari, Kaji, Oyaji
    • Literalmente: Terremoto, Trovão, Incêndio e Pai.
    • Sentido: Lista das quatro coisas que um japonês mais deve temer. Fazia sentido quando vivíamos numa sociedade patriarcal.

  • Anzuru yori umu ga yasushi.
    • Literalmente: Dar luz à um bebê é mais fácil do que se preocupar com ele.
    • Sentido: O medo é maior que o perigo.
    • Sentido: Uma tentativa é às vezes mais fácil do que o esperado.

  • Ningen banji saiou ga uma
    • Literalmente: As coisas humanas são como o cavalo de Saiou.
    • Dizem que há muito tempo na China havia um ancião chamado Saiou. Um dia seu cavalo fugiu. Seus vizinhos lamentaram seu desfortúnio mas Saiou disse "quem sabe se isso não foi uma grande sorte?". Dias depois o cavalo retornou, trazendo consigo uma égua. Seus vizinhos o congratularam pela boa sorte mas ele disse "quem sabe se isso realmente foi uma grande sorte?". Algum tempo depois o filho de Saiou sai para cavalgar, cai da égua e quebra a perna. Isso foi uma grande sorte pois todos os jovens da localidade foram convocados para o exército do Imperador, e houve muitas baixas. O filho de Saiou foi o único sobrevivente.
    • Sentido: O futuro pertence a Deus.
  • Fonte: http://pt.wikiquote.org/wiki/Prov%C3%A9rbios_japoneses

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Livro: Tempo Passado - Cultura da Memória e Guinada Subjetiva - Beatriz Sarlo






Sinopse


     Interessada na maneira como se reconstituiu a história da ditadura militar, e na memória que dela se tem pela voz de suas vítimas, Beatriz Sarlo analisa neste livro a profusão de relatos, depoimentos e testemunhos surgidos nos anos de transição democrática, tanto na Argentina como em outros países latino-americanos, e mostra como o testemunho em primeira pessoa foi fundamental para a reconstrução do passado. Graças aos relatos de ex-presos políticos, perseguidos e exilados, se abriu o caminho para a condenação do terrorismo de Estado. 

     Mas esses atos de memória podem ser, alerta a autora, apenas uma versão dos fatos, e correm o risco de, no futuro, ter contestada sua validade como fonte histórica. Seu objetivo é evitar que a história transforme as lendas em realidade. Fundamentando sua pesquisa em trabalhos teóricos sobre cultura e historiografia, numa linhagem que passa por Walter Benjamin e Giorgio Agamben, Jean Starobinski e Paul Ricoeur, Beatriz Sarlo disseca a "virada subjetiva" que se seguiu ao renascimento do "eu", objeto de todos os privilégios, e ampliado em sociedades que vivem a subjetividade não apenas em sua dimensão íntima, mas como uma manifestação pública.


Para baixar o livro (página 45 a 129), clique AQUI


Fotos antigas do Japão

Este site contém fotos antigas do Japão no período de 1860 a 1930:

Old Photos of Japan

É muito interessante, pois as fotos estão organizadas por tema e todas  têm informações da época e do que se trata.
Vejam algumas fotos bem legais:

Festival Setsubun que acontece um dia antes da primavera.
 As crianças catam feijões  para atrair boa sorte.

  Crianças se exercitando na escola (1920).

 Noivos (1920).

Família tomando chá em frente de casa (1920).

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Olá caros colegas,
estava pesquisando e me lembrei do seguinte filme, acredito que ele seja útil para recriar a época da guerra.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartas_de_Iwo_Jima


terça-feira, 23 de abril de 2013

"A vida depois da bomba" - Depoimentos das vítimas das bombas

Colegas, vou colar aqui alguns depoimentos de sobreviventes das bombss. Os depoimentos foram retitados do site: http://madeinjapan.uol.com.br/2007/03/12/depoimentos-de-sobreviventes-da-bomba-atomica/

Manabu Ashihara, 76 anos, de Nagasaki - Kamikaze e sobrevivente



“Fui recrutado para a aeronáutica com 15 anos e desde então, fui treinado para ser um kamikaze. Não tinha medo de morrer. Por quê? Era jovem demais e desde pequeno me ensinaram que o Japão era o país divino, que morrer por ele era uma grande honra. Que garoto não gostaria de ser um herói?”, conta Manabu Ashihara. Como não tinha idade suficiente para pilotar um avião, ele aprendeu a lidar com a parte mecânica. Aos 16 anos, em um treinamento sobrevoando o mar, ocorreu um acidente e o avião caiu. Por sorte, conseguiu escapar com vida, mas o oficial que estava pilotando morreu.
“Depois do acidente, fui transferido para a Marinha. Mesmo assim a minha sentença de morte me acompanhou. Fui designado para ser um tripulante do “maruyontei”, uma espécie de barco motorizado pequeno, com 250kg de explosivos. O objetivo era o mesmo de um kamikaze. Minha missão era fazer com que o barquinho se chocasse com o navio inimigo”, conta.
Nenhum “maruyontei” jamais afundou um navio americano. Mas o governo japonês divulgava ao povo que estas missões eram um sucesso. Faz sentido, já que nenhuma mãe permitiria que o filho participasse de uma missão suicida sabendo que esta seria em vão. Mesmo assim ninguém era capaz de se rebelar, pois existia muita opressão. O governo insistia em alimentar a esperança de que ainda poderíamos virar a guerra. A ilusão só foi quebrada quando a bomba explodiu. A tarefa final de Ashihara seria ir à base militar de Okinawa e embarcar num “maruyontei” dia 21 de agosto de 1945. Nesse dia, ele morreria pela pátria.
Por ironia do destino, duas semanas antes da missão, ele recebeu folga e voltou para Nagasaki a fim de reencontrar a família e os amigos. “Foi justamente na minha estadia na cidade que a bomba caiu. Todos os soldados foram designados para ajudar os feridos. Foi uma visão terrível. Não dá para explicar em palavras. Vozes pedindo socorro no meio dos escombros, pais desesperados à procura de filhos desaparecidos e órfãos desamparados. Não havia muita coisa a fazer, a não ser retirar os corpos queimados. Infelizmente são lembranças que nenhum documento pode provar.”




Tieko Kihara, 77 anos, de Hiroshima

Tieko Kihara foi uma vítima de primeiro grau, segundo consta em seu documento recebido pelo governo japonês. Isso quer dizer que ela esteve há menos de 3,5 quilômetros do epicentro da explosão de Hiroshima. Na época, pouco antes da bomba cair sobre a cidade em que vivia, Tieko freqüentava o “jyogakkou”, escola só de meninas, equivalente ao colegial brasileiro. Tinha 17 anos e também trabalhava na fábrica de peças da Marinha japonesa na qual dividia a jornada de trabalho de oito horas diárias com outras duas meninas. Dividindo o tempo entre a escola e o trabalho, Tieko conseguiu passar na faculdade “Hiroshima Jyoshi Senmon Gakkou”.
A matrícula era no dia primeiro de agosto de 1945. Mal ingressou na vida acadêmica, teve de largar os estudos. No quinto dia de aula, na reunião matinal de alunos e professores no ginásio, ela viu um grande clarão. “Parecia um flash muito reluzente de câmera fotográfica, uma luz seguida por um barulho ensurdecedor. Depois veio um vento tão forte que foi destruindo as estruturas do ginásio. Acostumados com treinamentos em situações de bombardeio, todos correram para baixo de suas mesas. Mas o ginásio começou a desabar e os alunos correram para fora, desesperados. Uma amiga minha, que tinha chegado atrasada, estava sentada na parte de trás do ginásio. A vidraça estilhaçada pelo impacto da explosão perfurou o seu rosto. Todos gritavam. Ninguém sabia o que estava acontecendo.
“Parecia o fim do mundo”, relembra Tieko. Por sorte ela não sofreu ferimentos graves na queda do ginásio e levou a amiga para fazer curativos. À medida que se aproximava do hospital, ela observava mais e mais vítimas. “Muitos estavam desfigurados pelas queimaduras, com pedaços da pele do rosto e dos braços pendurados, pedindo ajuda, pedindo um gole de água”, afirma.
Quando chegou em casa, somente à noite, os pais estavam muito preocupados. Seu irmão Hiroshi ainda não tinha voltado. Ele tinha 12 anos e trabalhava quebrando casas, um serviço comum na guerra. Como os bombardeios eram freqüentes, o serviço prevenia incêndios muito grandes, pois as casas, naquela época, eram todas de madeira e grudadas umas nas outras.
“Meu irmão estava trabalhando muito perto do local onde a bomba explodiu. Suas costas e seu rosto estavam totalmente queimados. Levaram-no para o hospital, mas ele escapou de lá no dia seguinte, de manhã bem cedo. Isso porque à noite, Hiroshi ouviu os médicos conversarem sobre a possibilidade de transferir os enfermos para as ilhas próximas à costa. Isso significava que ele poderia não voltar mais. As condições médicas nas ilhas eram precárias, para ser sincera, era só uma desculpa para abrir mais vagas nos leitos dos hospitais. Na fuga, ele não agüentou caminhar de tanta dor e desmaiou. Por sorte, um professor de sua escola que passava pelo caminho o reconheceu e o trouxe até em casa. Mas infelizmente, após duas semanas, Hiroshi não resistiu e faleceu.”
Ao saber do fato, o pai enlouqueceu. O irmão mais velho já não morava mais com eles porque tinha sido recrutado para a guerra. Ela passava a maior parte do tempo fora de casa. O caçula era a esperança da família. “Após a morte de meu irmão, me mandaram para um templo budista, onde morei por alguns meses até me mudar para a casa de meus parentes, no interior. Casei aos 19 anos e me mudei para o Brasil em 1964 onde vivo até hoje”.


Mihoko Ikeda, 65 anos, de Hiroshima



Mihoko Ikeda tinha 5 anos quando a bomba atômica caiu a 7 km da região onde morava, em Hiroshima. Ela estava comendo um doce na casa de uma vizinha e a mãe, Atsuko Hirasaki, trabalhava na horta. “De repente escutei o maior barulho que ouviria na vida e vi um enorme cogumelo de fumaça, que misturava tons de preto, cinza, branco e rosa”, conta Mihoko. A casa dela ficava próxima à estrada e ela foi uma das primeiras a ver as vítimas que fugiam do foco da explosão. Queimados e feridos caminhavam moribundos e pediam água para aqueles que estavam sãos. “No começo, a gente dava água em chaleiras de alumínio. Fazia mal, mas a gente não sabia.
Eles queriam. Mas com a grande quantidade de pessoas que chegavam, tivemos de trocar por um balde”, conta. Próximo a sua casa, havia um templo que foi usado como abrigo para os feridos que não conseguiam mais andar. “A gente tinha pouca comida. Havia batata doce na nossa horta, mas não dava para preparar de um jeito gostoso. No fim, a gente comia muita batata e só um pouquinho de arroz” diz. Ela chegou ao Brasil em 1957 e hoje vive com a família. Em 2003, quando viajou ao Japão, conseguiu uma carteira de vítima da bomba e passou a receber os benefícios referentes.


Yasuyuki Hirasaki, 59 anos, de Hiroshima

Hirasaki é irmão de Mihoko e estava na barriga da mãe quando a bomba explodiu. Ele não tem memórias dos primeiros anos que sucederam a tragédia, mas como a família viveu esses momentos, a bomba fez parte de sua infância.
Na hora da explosão, a mãe cuidava de uma horta e os irmãos estudavam no colégio. “Um deles tinha 10 anos e estava sentado do lado oposto ao das janelas na sala de aula. Foi quando a explosão aconteceu e destroçou as vidraças. Meu irmão recebeu os estilhaços e ficou com uma cicatriz enorme acima do olho esquerdo”, relata Hirasaki.
Quando o aniversário do ataque se aproximava, a mãe de Hirasaki e Mihoko sempre se lembrava da tragédia e só conseguia descrever como “um triste cenário”. “Ela dizia que quando foi para Hiroshima, ela viu de mutilados a queimados. Na beira dos rios, vários corpos”. Em 2004, Hirasaki foi ao Japão visitou o museu de Hiroshima e obteve o direito de receber auxílio do governo japonês. A lei exige que as vítimas estejam no Japão para exames médicos no momento de entrar com o requerimento de ajuda. Essa lei, porém, é muito criticada porque os idosos não têm condições de ir até o arquipélago. “Minha mãe, falecida aos 82 anos, sempre defendia a ajuda a essas pessoas. Ela conseguiu o benefício na época em que podia andar, mas sempre pensou nas pessoas que não podiam”.


Vídeo - Reportagem do Fantástico com Tsutomu Yamaguchi


Aqui esta o vídeo que assistimos em sala de aula!


O link: http://www.youtube.com/watch?v=V5u9nSaxQ00

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Texto de Mariana Fagundes - 02 de abril de 2013


Contra todas as nossas expectativas, aquela tal de Melissa vinha à procura de meu pai. Era uma tarde calma, dessas que se arrastam em vão, tentando, aos tropeços, levar nas costas a banalidade das horas. Nenhum de nós três podia imaginar que a chegada daquela mulher, franzina e discreta, mudaria o percurso de todas as outras horas e tardes.
Ela vinha apressada, toda desengonçada, metida em um uniforme mal-passado. Quem sabe vestido às escuras. Bateu à porta duas vezes de leve e, na terceira, deixou que a mão pesasse um pouco mais, a fim de ser percebida o mais rápido possível. Tinha pouco tempo.
Abri a porta receoso – papai sempre dizia para não falarmos com estranhos. Mas, na falta de um adulto na casa, era eu quem assumia o comando de todas as situações. Desde minha irmã mais nova, Lúcia, esperneando por atenção e brincadeiras, até afazeres domésticos e cuidados com cão, gato e o porco de estimação, presente da vizinha.
Eu era um rapazote de quatorze anos. De estatura mediana, magro e repleto de acne no rosto, o que acentuava minha timidez nata e diminuia as chances de eu me projetar em qualquer ambiente, até eu casa. Eu não tinha voz e, de certa forma, preferia assim.
Até Melissa aparecer e me entregar, sem muitas explicações, um envelope pardo bem grande, com letras graúdas e garranchadas no verso. Era para meu pai, indicou ela e, em seguida, pediu que eu assinasse a folha que carregava embaixo do braço. “Quando é serviço de Sedex, quem recebe precisa assinar. É para a gente ter controle”, explicou.
Franzi a testa e rubriquei o papel. Enquanto ela se organizava para dar meia volta e eu, para fechar a porta, vi, de relance, seu nome no crachá: Melissa. Com um selo dourado – acho que de funcionária do mês, cogitei –, no canto esquerdo, sobre a foto.
Ela fez mesmo um bom trabalho levando a encomenda até nós. Mas, humanos que somos, não admitimos de primeira que mesmo as perdas devem ser plenamente vividas. Cedemos à facilidade de relutar contra a dor e dissimular qualquer indiferença.
Virei o envelope por inércia, sem a menor intenção de abri-lo. Não era de meu feitio. Foi aí que vi, numa caligrafia fraca, apagada a borracha, o remetente. Era minha avó, de quem não tínhamos notícias há anos e, para ser sincero, não sei bem se queríamos ter. Doía.
Ela enviava a correspondência de nossa cidade, Potiforu. Senti meu estômago embrulhar. Devia ser o choque da curiosidade, seguida do medo, que eu acabara de engolir, a seco.
Não resisti, abri o papel com cuidado. Era uma carta breve, com os seguintes dizeres:
“Querido Francisco, já é tempo de pagar sua dívida e retornar, com meus amados netos, a Potiforu.
À espera de uma visita e com doçura,
Sua mãe.”
Meu pai deixara sua cidade, minha e de nossa família assim que minha mãe faleceu. Havia sete anos. Pegou as malas, eu e minha irmã e deu um adeus seco, já virando as costas, para que não o vissem chorar. Prometeu, como consolo aos que ficavam, voltar o quanto antes. Vocês sabem, a gente vive por aí, prometendo o impossível.
 Acho que ele não queria deparar-se com as lembranças e, na tentativa frustrada de despistá-las, empacotou o pouco que tínhamos e fugiu de lá. Só que não adiantou. Recordações se escondem, engenhosas, em qualquer bagagem. Elas têm passagem livre para todo lugar deste mundo. E vão. Penduradas na saudade ou na angústia de quem as viveu.
Reli o bilhete. Eu sabia que ele não ia querer voltar e, tampouco, permitiria que fôssemos sozinhos, eu e Lúcia, a Potiforu. Não tão cedo. Por acreditar que também nós ainda não superamos a perda e assim seria melhor.
Mas, com isso, além de perdermos a mãe, perdíamos a oportunidade de ter uma família inteira. A dívida, da qual minha avó falava, pesava em nós assim como nela. Com os anos, papai deixou afrouxar os laços com nosso lugar, o lugar de nossa mãe, e, sem querer, nos submeteu ao mesmo. A conta que ele esqueceu de pagar dizia respeito também a mim e a Lúcia.
Decidi responder a carta, deixando a efervecência de meus hormônios adolescentes borbulhar. Eu iria encontrar minha avó, já na próxima semana. Levando Lúcia e sem contar nada a meu pai.
Escondi o envolope pardo e tentei explicar a situação de gente grande a minha irmã, que tinha apenas oito anos e nenhuma lembrança da avó. Ela compreendeu, aparentemente. Crianças simplificam com encanto as agonias da realidade, tornam os acontecimentos fluídos, leves feito pluma, que é a maneira que encontram de conseguir segurá-los.
E aí, na sexta seguinte, fizemos nossas malas e planejamos a fuga. Seria na segunda de manhã, depois de papai ir para o trabalho, para não sermos surpreendidos. Eu compraria as passagens antes, com minha mesada do mês e a ajuda das moedas acumuladas no cofrinho de Lúcia.
Dois ou três dias depois, confabulávamos sobre como seria o reencontro com a vovó, com os tios e primos e todas as memórias de nossa pequena cidade, que em mim eram um tanto quanto inventadas e na menina, somente imaginadas.
De repente, ouvi o choro de alguém no quarto ao lado. Era meu pai. Corri até o cômodo e o encontrei sentado no chão, as mãos segurando a cabeça. Sob a cama, um novo envelope, desta vez menor. Ele estendeu as pernas, deixando cair de seu colo uma folha. Me agachei e li. Era uma carta de seu irmão, tio Augusto, avisando que minha avó estava doente e aguardava, sem muita esperança, que ele chegasse conosco à cidade antes que a morte que, não tardaria, acabaria por buscá-la.
Atordoado, fui até a janela e me debrucei no parapeito. Em meio à paisagem, de longe, reconheci a silhueta de Melissa virando a esquina. Ela batera à porta, mais uma vez, carregando outra tentativa de nos levar de volta ao nosso ponto de partida. No fim, não importa muito o que aconteça, a gente sempre pode voltar para casa. Não há canto mais reconfortante do que nosso lugar.
Busquei Lúcia, as malas e os planos e convidei meu pai para, juntos, enfrentarmos medos e dores. Precisávamos reconstruir aqueles laços desfeitos no passado se quiséssemos seguir firmes no presente.